O contexto social, político, econômico, cultural e tecnológico está em constante mudança, e é por meio da inovação social que companhias podem promover mudanças sobre desafios contemporâneos

Não temos dúvidas de que atualmente enfrentamos problemas complexos, da pandemia de coronavírus à discussão contemporânea-mundial de racismo e aos atentados recentes no Oriente Médio. Também não temos dúvidas de que o mundo está cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, que vivemos a 4ª Revolução Industrial e que quem não se reinventar, ficará para trás.
Contudo, o ponto com o qual eu gostaria de começar nossa reflexão é: a forma como chegamos até aqui faz sentido para você? Nossa sociedade deve ser percebida como vitoriosa, a partir do momento em que a maioria dos corpos enterrados na guerra às drogas é preto, mais de 13,5 milhões de brasileiros vivem com menos de US$ 1,90 por dia, em que batemos os 100 mil mortos por Covid-19 em 8 de agosto de 2020 e ainda temos casos emblemáticos de pessoas que trabalham em formatos análogos à escravidão em pleno século 21?
Mas esse não é um artigo sobre inovação social? Sim, e essa reflexão está 100% relacionada ao tema da inovação social, isto é, a transformação da relação com a realidade por meio do desenvolvimento social/econômico/político/tecnológico que necessariamente vai gerar impacto positivo à sociedade ou a alguma comunidade.
Reconhecendo o contexto atual
De acordo com uma pesquisa realizada pela Ipsos para o segundo Fórum de Marketing Relacionado à Causa, em parceria com Cause, ESPM e Instituto Ayrton Senna, as manifestações cotidianas a partir dos anos 2000 alteraram nossos comportamentos como seres humanos, reforçando nossas tendências de consumo atual.
Segundo o estudo, 77% dos respondentes esperam que as empresas de hoje contribuam muito mais para a sociedade do que contribuíram no passado e 82% dos consumidores se mostra favorável a uma empresa que contribui para uma causa.
A tendência de que a força do mercado também deve ser usada para a resolução de problemas de ordem social e ambiental ganha cada vez mais apoio e adeptos. Como prova, movimentos como Sistema B e Capitalismo Consciente têm fomentado diálogos sobre esse cenário complexo, recheado de propósito e potencial de transformação.
E inovação é isso, é mudança de mindset, coragem para acompanhar as evoluções do mercado, é reconhecer que a estratégia de marcas e produtos deve ser atualizada pelo novo contexto social, econômico, tecnológico e cultural. A inovação social, por sua vez, tem a missão de colocar todo o potencial da empresa na resolução de problemas complexos, e isso é diferencial competitivo, recurso, engajamento e reputação. Em resumo, é negócio.
O problema é de todos
Para reforçar nossa reflexão, vamos fazer um teste. Escolha um problema complexo daí e eu faço o mesmo daqui. Ao final, compartilho o meu e, se você quiser, pode compartilhar o seu no meu LinkedIn também. Agora, anote em um papel as respostas para as seguintes questões:
Sobre o problema que escolheu, quais dores ou perdas geram para a organização em que você está inserido? Essas dores são de agora ou antigas?
São percebidas por todos ou delimitadas por gênero? Perpassam por todos os níveis hierárquicos ou apenas pela base ou pela alta liderança? Há recortes de etnia, raça, identidade de gênero e/ou orientação afetivo-social? Também está presente em pessoas com deficiência?
Essas dores geram custos significativos à organização ou apenas uma pequena quantia de orçamento é comprometida?
Elas estão presentes em momentos de café e almoço ou em reuniões de decisões?
Feito isso, vamos compartilhar?
Meu problema complexo já é estruturalmente percebido pela sociedade e, consequentemente, pelas organizações. É vivenciado por mulheres do mundo todo, independente de raça, etnia, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual ou deficiência.
Ele está presente em todos os níveis hierárquicos e afasta as mulheres do trabalho, em média, 18 dias por ano; custa anualmente R$ 87 bilhões, equivalente a 1,2% do PIB; está presente em conversas de café, almoço e em reuniões decisórias. Meu problema complexo aumentou significativamente durante o isolamento social, agride uma mulher a cada 17 minutos, mata 12 mulheres todos os dias no Brasil e um terço de todas as mulheres que você conhece provavelmente já passou por ele.
Meu problema complexo se chama violência doméstica.
Ter tido a oportunidade e o nível de coragem necessário para ser responsável pela estratégia de violência doméstica e ações relacionadas para a força de vendas da Natura, que contempla mais de 1,2 milhão de mulheres diversas no Brasil, foi meu principal desafio no ano de 2019 e no primeiro trimestre de 2020.
Compreender a magnitude e ter a ousadia para enfrentar um problema social complexo é o primeiro passo para a inovação social. Desafiar o status quo e reconhecer que o mercado privado está inserido em um contexto social, que gera dores e perdas para ele mesmo, faz com que ele também se reconheça como responsável e também como parte da solução. Porém, não podemos apenas compreender que o problema afeta as organizações, precisamos amarrá-lo ao modelo de negócio e, consequentemente, gerar valor para a sociedade.
Os próximos desafios da era pós-moderna são imensuráveis, mas temos uma certeza: o mindset, o modelo de trabalho e as tecnologias que nos trouxeram até aqui não serão mais tão triviais. Temos que garantir um modelo consciente de gestão que gere impacto positivo para todas as partes: negócio, pessoas e planeta.
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